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Política

Bolsonaro aposta em bancadas do boi, da Bíblia e da bala

Presidente eleito espera ainda que governadores enquadrem deputados
O presidente eleito, Jair Bolsonaro 07/11/2018 Foto: Jorge William / Agência O Globo
O presidente eleito, Jair Bolsonaro 07/11/2018 Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA - Desde antes de ser eleito presidente, Jair Bolsonaro avisava que não faria loteamento de cargos, e que, sob sua gestão, a relação com o Congresso seria sem o famoso toma lá dá cá. As primeiras nomeações ministeriais confirmam a promessa. A dúvida é sobre como se dará na prática a rotina de negociação do Palácio do Planalto com a Câmara e o Senado, já que oficialmente a função deve ficar com o futuro ministro da Casa Civil, Ônyx Lorenzoni (DEM-RS), que tem uma relação conturbada com os colegas deputados.

O presidente eleito aposta em receber apoio maciço das três frentes parlamentares que o ajudaram a ganhar a eleição — a ruralista, a da segurança pública e a religiosa. Além disso, contará com alguns homens de confiança tanto na Câmara quanto no Senado. E finalizando o tripé, tem se aproximado de governadores alinhados a ele para que, quando necessário, os chefes estaduais pressionem as bancadas eleitas em suas bases em prol de projetos do Planalto.

Bolsonaro terá dois filhos no Congresso: o deputado mais votado do Brasil, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), na Câmara, e Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) no Senado. Na primeira semana que passou em Brasília após a eleição, a dupla acompanhou o pai em todos os compromissos. Eduardo será o líder do PSL na Câmara e disse em entrevista ao GLOBO que será uma espécie de “líder do governo sem ser”. Flávio, o mais velho, tem um perfil mais contido que o do irmão. Pessoas próximas ao presidente eleito contam que ele ouve muito o primogênito.

A relação familiar do futuro presidente com o Congresso preocupa políticos mais calejados. Eles veem potencial de ruído na comunicação do Planalto com os parlamentares, e potenciais atritos entre os líderes do governo escalados oficialmente e os filhos de Bolsonaro. O presidente eleito ainda não se debruçou sobre os detalhes do mapa de sua relação congressual, e deve esperar a eleição dos comandos da Câmara e do Senado, no dia 1º de fevereiro, para só então escolher os nomes dos líderes do governo.

Outros que não têm o sobrenome Bolsonaro, mas despontam como potenciais articuladores do futuro presidente no Congresso são os deputados Alceu Moreira (MDB-RS) e Luís Carlos Heinze (PP-RS). Alceu tem se movimentado como pré-candidato à Presidência da Câmara, e Heinze, que assumirá uma cadeira no Senado, é próximo a Bolsonaro há 20 anos. Foi pelas mãos de Alceu que a coordenadora da Frente Parlamentar Agropecuária, Tereza Cristina (DEM-MS), chegou para o encontro com Bolsonaro do qual saiu como futura Ministra da Agricultura. Na pior das hipóteses, Alceu substituirá Tereza como coordenador da frente.

— Alceu é ponta firme. Certamente vai dar muito apoio ao presidente — avalia Tereza Cristina.

Já Heinze, mesmo como novato no Senado, já se prontifica como ajudante de Bolsonaro na tarefa de negociar com os pares. Ele diz estar certo de que o PP dará apoio ao novo governo. Durante a campanha, Heinze contrariou a decisão de seu partido ainda no primeiro turno e anunciou apoio a Bolsonaro, quando a sigla estava coligada com o PSDB, que lançou para a Presidência Geraldo Alckmin.

— Estamos juntos com ele, já. Vamos ajudar sem troca por cargo. E na articulação eu estou junto com ele. Certamente vou ajudar e vou fazer. E vão ter outras pessoas também — disse Heinze.

Heinze também integra a bancada ruralista, que por sua vez deve ser um dos principais pilares da governabilidade do futuro presidente. Só na Câmara, a frente agropecuária tem 233 deputados. Alguns ficaram pelo caminho, mas outros, que foram eleitos para o primeiro mandato, já têm manifestado interesse em integrar o grupo. De perfil conservador, a frente reúne parlamentares de diversas siglas, que tendem a votar de forma coesa em assuntos de seu interesse, mesmo que contrariem orientações partidárias. A futura ministra da Agricultura contabiliza que pelo menos 60 integrantes da bancada ruralista votem a favor do governo de forma consistente. Se o cálculo se confirmar, é um número superior à maior bancada partidária eleita, no caso a do PT, com 56 deputados.

As outras frentes, como a da segurança pública, conhecida como bancada da bala, e a evangélica, chamada popularmente de bancada da Bíblia, também tendem a dar suporte a projetos de Bolsonaro, ainda que de forma pontual.

— O gesto dele para a frente agropecuária foi um gesto importante. A frente prestigiou ele e ele prestigiou a frente. Ele não titubeou. A política tem gestos. E foram gestos dos dois ladosSe ele tiver o apoio de 60, é mais do que qualquer partido. Se juntar com os apoios das outras frentes, a que ficou conhecida como da bala e a religiosa, ele já sai com cento e tantos deputados. É um ponto de partida expressivo — avalia Tereza Cristina

O comportamento de Bolsonaro em relação à eleição para a presidência da Câmara dará o tom de sua relação com os parlamentares. A competição promete ser árdua, com algo como dez nomes disputando o cargo. O favorito, até o momento, é o atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Além dele, movimentam-se Alceu e os deputados João Campos (PRB-GO), que é da bancada da Bíblia e tem proximidade com Bolsonaro, Fernando Giacobo (PR-PR), Capitão Augusto (PR-SP) e Fábio Ramalho (MDB-MG).

Rodrigo Maia vem tentando compor com o centrão e já tem cativos os votos do PP. A favor dele contam a fidelização, seu poder de articulação e o fato de ser visto por muitos, inclusive no entorno de Jair Bolsonaro, como alguém experiente e ponderado, o que seria importante para a governabilidade. Apesar disso, não deve ter o apoio explícito do governo, que tende a ficar neutro oficialmente. Por outro lado, Maia se encontra numa situação delicada. Nas duas vezes em que se elegeu presidente da Câmara, o fez com o apoio da esquerda, especialmente PT e PC do B. Agora, com a eleição de Bolsonaro, fazer aliança com esses partidos carimbaria nele uma marca que o inviabilizaria com o futuro governo, algo que Maia não quer. Diante desse impasse, Maia ainda não procurou os petistas.